Vítimas de preconceito, elas pedem inclusão social e fim de uso da palavra ‘obesa’
Mariana Mussi não tem ideia de quantos currículos enviou. Mais de mil, assegura. Conta nos dedos quantas vezes foi chamada para uma entrevista. Nunca era contratada.
O desespero para ter uma carreira, um rumo na vida, a fez entrar em cursos pelos quais não era apaixonada, como as faculdades de publicidade e letras. Nesta última, uma professora a chamou para conversar nos primeiros dias de aula para dar conselho:
“O que você está fazendo aqui, Mariana? Você é muito mais do que isso. Vai atrás dos seus sonhos.”
Na monografia “O impacto da obesidade nos salários e na empregabilidade”, apresentado no curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Ouro Preto, Gabriela Dornelas de Carvalho faz relação entre o IMC (Índice de Massa Corpórea) e os vencimentos das mulheres gordas.
IMC é fórmula que leva consideração peso e altura, elevado ao quadrado. Resultado acima de 30, é considerado obeso. É critério contestado por ativistas.
“A gente precisa, também no mercado de trabalho, acabar com a patologização do corpo gordo. O IMC não passa de um cálculo. Você não consegue controlar sua altura. E há o mito de que você perde peso se quiser, o que nem sempre é verdade. O controle do peso é apenas um controle sobre o corpo da mulher. O corpo de uma mulher CIS tem naturalmente mais gordura do que o corpo CIS masculino, só que o cálculo do IMC é o mesmo”, afirma a jornalista Agnes Arruda, autora dos livros “O peso e a mídia: as faces da gordofobia” e do “Pequeno dicionário Antigordofóbico.”
Para ela, experiências profissionais malsucedidas e não obter emprego por causa do peso faz com que a mulher gorda tenha uma vida de fracassos.
“Temos relatos de mulheres que passaram em concursos públicos e não conseguem assumir o cargo porque no exame médico detectam o que chamam de obesidade mórbida. Quem tem dinheiro, contrata advogado e entra na Justiça. Quem não tem, perde a vaga”, diz Malu Jimenez, professora, pesquisadora, doutora em Cultura Contemporânea e que desenvolve estudos na área há dez anos.
Elas lembram existir a falsa imagem profissional da mulher gorda ser preguiçosa, ficar várias vezes doente, não ser ativa e se retrair demais no ambiente de trabalho. Defenestram expressões como obesa, gordinha e similares. Consideram uma linguagem violenta que contribui com a estigmatização na sociedade e na falta de oportunidades.
“Há uma confusão entre pessoas obesas e gordas. Temos de ressignificar a palavra gorda. Obesidade remete a doença. Gorda é usada como julgamento, enquanto magra é elogio. Existem pessoas gordas plenamente saudáveis e pessoas magras doentes. Foi criada a culpabilidade, a ideia moralista de que as pessoas são gordas maiores porque querem”, completa Jimenez.
Mariana diz que elas não têm sequer o direito de morrer pela dificuldade de encontrar caixão do tamanho adequado.
A defesa é pelo uso das expressões gorda(o) menor e gordo(a) maior. Menor é quem passa por situação de gordofobia, mas não sofre com questões estruturais, como problemas de acessibilidade, por exemplo. Por isso, tem menos dificuldades sociais.
Maior é quem, além de sofrer discriminação, tem negado acessos a direitos básicos na sociedade, como transporte público ou acesso a hospitais por falta de macas, camas ou cadeiras, entre outros.
As ativistas e pesquisadoras citam ser este um preconceito em que a vítima se sente culpada. Dizem que várias vezes foram se queixar por terem sido preteridas na procura por emprego e ouviram comentários do tipo: “Também… Olha o tamanho que você está!”
É um círculo vicioso especialmente para mulheres gordas, de baixa renda e que vivem na periferia. Elas têm dificuldade de achar roupas adequadas, não passam nas roletas do transporte público e não cabem em cadeiras. Compram alimentos mais baratos, justamente os que mais engordam. Acabam se retraindo e param de procurar trabalho.
“Há a demonização do corpo gordo como algo doente. O empregador não quer isso. Naquele momento, nós temos uma doença de diagnóstico apenas visual. Uma obesidade controlada é muito menos perigosa do que uma magreza sedentária”, defende a professora universitária, publicitária e artista plástica Drika Lucena.
Ativistas como Mariana e Malu pedem a adoção de cotas para gordas como forma de inclusão social. Censos do IBGE, por exemplo, não trazem dados sobre o assunto.